domingo, 13 de abril de 2014

Vergonha alheia - verbos em -iar

Outro dia, estava me lembrando de um colega de turma, na Faculdade de Letras, nos idos de 1990. Essa turma se encontrou há alguns dias. Trata-se, pois, de um encontro de pessoas que devem ter no mínimo um razoável domínio da Língua Portuguesa, especialmente para falar em público. Então: isso nem sempre é verdade. Até em meios restritos como este ocorrem tropeços de corar o cidadão comum e de espantar o cidadão letrado, sobretudo em situações formais.

Há verbos que podem nos entortar o nariz quando mal utilizados deixam o usuário um tanto envergonhado. Os verbos que têm a forma do infinitivo terminada em "-iar" normalmente têm o dom de empurrar alguns penhasco a baixo. Na via das dúvidas, naquela hora em que a palavra parece inevitável, vale a pena buscar um sinônimo ou um substantivo correspondente.

Pois bem. Eis que a certa altura do encontro, já em seus dias finais - algo como quinta-feira - um colega de um colega nosso toma a palavra e vai fazer referência ao fato de que se diverte com algumas palavras que passam pelo processo de abreviatura. Não era da turma e queria tirar uma dúvida sobre abreviações. Ele disse, muito infelizmente: Essa palavra não se abreveia. O resultado não poderia ter sido outro, senão um sonoro silêncio seguido de um burburinho.

Está aí um exemplo de verbo terminado em "-iar". No caso deste verbo e nesta conjugação específica, a pessoa deveria ter dito "não se abrevia". 

Modo Indicativo
No presente indicativo: abrevio, abrevias, abrevia, abreviamos, abreviais, abreviam. 
No pretérito perfeito: abreviei, abreviaste, abreviou, abreviamos, abreviastes, abreviaram
No pretérito imperfeito: abreviava, abreviavas, abreviava, abreviávamos, abreviáveis, abreviavam
No pretérito mais-que-perfeito simples: abreviara, abreviaras, abreviara, abreviáramos, abreviáreis, abreviaram
No pretérito mais-que-perfeito composto: tinha abreviado, tinhas abreviado, tinha abreviado, tínhamos abreviado, tínheis abreviado, tinham abreviado
No futuro: abreviarei, abreviarás, abreviará, abreviaremos, abreviareis, abreviarão
No futuro do pretérito: abreviaria, abreviarias, abreviaria, abreviaríamos, abreviaríeis, abreviariam

No modo subjuntivo
No presente: abrevie, abrevies, abrevie, abreviemos, abrevieis, abreviem
No pretérito imperfeito: abreviasse, abreviasses, abreviasse, abreviássemos, abreviásseis, abreviassem
No futuro: abreviar, abreviares, abreviar, abreviarmos, abreviardes, abreviarem

Modo Imperativo 
Afirmativo
abrevia, abrevie, abreviemos, abrevieis, abreviem

Negativo
abrevies, abrevie, abreviemos, abrevieis, abreviem

Confesso que a não familiaridade pode levar a alguns deslizes. Mas o inverso é verdadeiro. Se errar, não há problema. Todos. Todos cometem falhas. Se der para evitar, troque-se por um substantivo, ou use-se um sinônimo. Não sendo possível: pensar a conjugação e ir devagar na conjugação, lembrar e usar a palavra correta. Para não ser alvo de vergonha própria nem alheia.

domingo, 6 de abril de 2014

Brincando com Preposições




Assim como em todas as línguas, na nossa língua portuguesa em uso no Brasil, o uso de preposições altera o sentido do que se pretende dizer. No inglês, por exemplo, look for e look at são coisas bem diferentes. Em Português, a preposição "com" estabelece sentidos diferentes em expressões como "dançar com alguém" e "dançar com dor".

Abaixo, uma série de situações que apresentei aos meus alunos, a fim de que percebessem isso:

 Em um banco de São Paulo havia uma placa que dizia: ATENDIMENTO DE IDOSOS. Na semana seguinte, ela havia sido substituída por ATENDIMENTO A IDOSOS. Que diferença de sentido é produzida com a troca da preposição?

Sobre a carteira de uma sala do 9º ano foi esquecido um bilhete que dizia: SUA VINDA DE SALVADOR FOI O MELHOR PRESENTE. No bilhete, a preposição “de” estava rasurada e corrigida para a preposição “a”. Logo, o bilhete ficou assim: SUA VINDA A SALVADOR FOI O MELHOR PRESENTE. Considerando a correção feita, o que alterou no sentido do bilhete?

Um consumidor chegou à farmácia e perguntou: TEM VENENO PARA BARATA? Com um sorriso no rosto, o farmacêutico respondeu: NÃO. TEMOS VENENO CONTRA BARATA. Que diferença de sentido o farmacêutico produziu ao trocar a preposição?

Na semana seguinte, o mesmo consumidor precisou de um xarope, porque tossia muito. Dessa vez, foi à farmácia e, como só havia aquele farmacêutico, foi a ele que perguntou: O SENHOR TEM REMÉDIO PARA TOSSE? O farmacêutico quis complicar e perguntou: MAS VOCÊ QUER DEIXAR SUA TOSSE MAIS FORTE? O cérebro do consumidor funcionou rapidinho. Antes que a próxima tossida viesse, ele corrigiu: QUERO REMÉDIO (cof! cof! cooof!) CONTRA TOSSE. Agora diga: que diferença de sentido pode haver entre a primeira e a última fala do consumidor?

Há um relato do cantor Chico César que conversando com Chico Buarque sobre um verso de uma das músicas. O verso é “E ERA UM ASSALTO NA FARMÁCIA”. Chico (o Buarque) perguntou se não era melhor dizer: “E ERA UM ASSALTO À FARMÁCIA”. Chico (dessa vez, o César) preferiu não mudar.  Qual seria a diferença de sentido provocada pela possível troca da preposição

 Em dias de brutalidades no Brasil, na Líbia ou em qualquer lugar, é bom lembrar que a solidariedade é algo feito PELAS pessoas e PARA as pessoas. Que diferença de sentido há se usarmos as preposições destacadas nessa frase grifada?

 A solidariedade está NAS pessoas e ENTRE as pessoas. Que diferença de sentido há se usarmos as preposições destacadas nessa frase grifada? 

Como em todas as nossas aulas, rimos muito. E aprendemos também. 

domingo, 30 de março de 2014

Incidente ou acidente coincidente?



Almoçávamos juntos hoje, como em muitos domingos e, em meio a muitas conversas veio uma pergunta que gerou uma discussão muito legal. Minha irmã nos contava que, num desses eventos cotidianos, bateu a cabeça. Nada grave, que inspirasse cuidados ou que trouxesse algum tipo de preocupação daquelas que movimentam a família toda. No entanto, a dúvida que ela trouxe para nós a partir desse evento movimentou a família, sim. Ela queria saber se havia sido um acidente ou um incidente.

Uma diversão isso, porque cada um de nós vai se colocando e, numa espécie de brainstorming, várias ideias vêm à tona e se misturam aos sabores ali desfrutados. Depois de certas incertas hipóteses de sentido, minha mãe não teve dúvida: saiu da mesa e encheu sua mão com um dicionariozinho, uma miniatura de Aurélio. Pouco adiantou, porque não tirava nossa dúvida. Primeiro, porque à palavra "acidente" estavam associadas intercorrências de maior ou de menor gravidade. Ficou pior depois que associou à palavra "acidente" à de depressão em pistas ou a eventos que tiram a normalidade. Como se não bastasse, à palavra "incidente" a ação de incidir.

Em sua origem, a palavra "acidente" (do latim accidens, -entis) designa um tipo de acontecimento fortuito mesmo, casual, mas que resulta em algo infeliz. Em nossa cultura hoje, essa palavra designa estas duas coisas: algo que sai do normal casualmente (como uma música tocada dentro de outra = música acidental; ou um popular "acidente de percurso" = pequena intercorrência) e algo que está associado à infelicidade e, em geral, à tragédia. Um grande engavetamento no trânsito, que resulta em dezenas de mortes não é um incidente, mas um acidente.

Por sua vez, a palavra "incidente", do verbo incidir (que também vem do latim in+cadere) significa algo que sucede ao acaso, algo que sobrevém, alguma coisa e cai dentro. A luz do Sol sobre incide nós -  ninguém chama isso de acidente. Os juros incidem sobre determinado preço, uma lei que incide sobre determinado caso... - esses fatos não são necessariamente acidentes. Veja-se, por exemplo, a existência de outra palavra cognata a essa. Se é uma coisa só que incide, trata-se de uma incidência. Se é mais de uma, trata-se de uma "coincidência".

O fato é que à palavra "acidente" estão associados os acontecimentos inesperados, fortuitos cuja consequência traz infelicidade e tem uma proporção muito além do normal. Para pegar dois extremos, vou me referir ao seguinte: uma turbulência que se enfrenta num vôo é um incidente. A queda de um avião, um acidente. A confusão na designação ocorre porque, dependendo das intenções de quem relata, o que é totalmente incidental para uns pode ser um verdadeiro acidente para outros. O inversão não é normal acontecer.

Tem-se claramente a ideia de que um acidente não é um incidente (a diferença entre a queda do avião e a turbulência), porém não é claro quando um incidente é ou não um acidente. Dessa confusão vem o famosíssimo ditado segundo o qual "pimenta nos olhos dos outros é refresco". Ou, em outras palavras, o que é acidente para um pode ser incidente para outros. O modo como um e outro veem o mesmo fato não é coincidente.


segunda-feira, 17 de março de 2014

O lugar do erro

Reprodução/Facebook

Logo no início desta semana fui surpreendido com uma notícia segundo a qual centenas de camisetas de uma escola haviam sido estampadas com um erro crasso de Português. E era voltado para Ensino Médio. Aliás, o erro estava justamente aí: em vez de "ensino", estava escrito "enCino". Isso mesmo, com C. Sim, neste caso, é mais do que uma inadequação; é um erro mesmo. Em muitos sentidos.

Não sou purista. Não ando por aí corrigindo placas, criticando cartazes ou faixas. Não me dou à prática de ficar analisando como as pessoas falam certo ou errado em termos gramaticais. Até porque há momentos em que a Norma Culta é exigida, é critério de eliminação e, portanto, estabelece o certo e o errado em relação à situação de linguagem. Fora isso, o uso da linguagem se dá ao sabor da situação. A criatividade, a força argumentativa caem melhor do que a correção gramatical.

Olho a linguagem com o mesmo prazer de quem degusta um bom vinho. Bom saber de onde veio, suas características, sua força, seu poder. Mais que ouvir, poder olhar a linguagem. Do mesmo modo que o vinho. Olhá-lo antes de tomar é tão prazeroso quanto apreciar uma construção de linguagem conscientemente arquitetada para um fim específico. A escolha das palavras, a maneira como são articuladas, as pausas, a entonação, o acompanhamento dos gestos, feições e tudo que acompanha a fala, tudo constitui a beleza da arte de falar.

Especialmente na escrita pública, que vai ser lida por muitos durante muito tempo, uma escrita que vai identificar algo ou alguém (uma escola, por exemplo) precisa, sem a menor sombra de dúvida, cuidar de todos os aspectos necessários ao sucesso da comunicação pretendida. Em caso contrário, o efeito pode ser devastador. Veja-se, como exemplo, um cartaz pendurado em um restaurante, que oferece suco de cocô, em vez de suco de coco. Lamentável: o restaurante vira motivo de piada.

E uma escola que oferece uma camiseta com a palavra "enCino"? O nível de credibilidade dela é assolado, devastado, lançado para baixo do chão. Dificilmente se lembrará desta escola sem associar o nome dela ao erro de Português. Trata-se apenas de um erro de ortografia, diriam alguns. Não. Trata-se de um erro de discurso. Um erro de desconsideração para com os que lerão os dizeres da camiseta (salvo se tivesse finalidade irônica). Trata-se de um erro de capacidade profissional de muitas pessoas: de quem encomendou, de quem elaborou, de quem executou, de quem revisou, de quem publicou.

É preciso ver que a linguagem é um comportamento social como outro qualquer. E que, nesse sentido, os erros são passíveis de correção, na medida em que (muitas vezes, como é o caso desta escola de Brazlândia) trazem consequências um tanto exageradas do ponto de vista social. Todos erramos, é bem verdade. E a ninguém cabe o papel de estandarte da correção. Mas há situações em que o erro tem de ser prevenido. Alguém tem de se antecipar a ele para evitá-lo ou, no mínimo, diminuir seus efeitos (erratas, explicações etc.). Pode até ser que a escola seja muito boa, mas a imagem que fica dela agora é de que não "enCina" bem aqueles que cuidam de seus objetos de publicidade, como camisetas.

domingo, 16 de março de 2014

Erros menos aceitáveis



Tudo bem que o advento colossal e irrefreável da internet e dos inumeráveis recursos que ela nos proporciona deu uma boa flexibilizada na escrita, de modo que a própria noção de erro ficou menos árida. Graças ao avanço das teoria linguístico-discursivas, já nem se fala mais em erro, mas em inadequações. Algo passa a estar errado em relação a um contexto, e não mais por estar em desacordo com o discurso gramatical.

Mas, pera lá. Lembro bem do meu amigo Evanildo Bechara, nosso maior gramático vivo, dizer que errado é aquilo que não faz sentido em contexto algum. Convenhamos que há "inadequações" (vou ficar com a palavra "erro" mesmo) bem menos aceitas do que outras. Por exemplo, pouquíssimos veem problema quando alguém utiliza o verbo "ter" em vez de "haver". Raros são os que se incomodam com o uso de "a gente" em vez de "nós". E por quê? Porque já são de uso generalizado e frequentam até apresentações formais orais, como palestras, discursos, debates etc.

Outros usos de linguagem não recebem o mesmo tratamento. As pessoas são menos complacentes com construções frasais do tipo "pra mim ler", ou "menas páginas", ou "ela fica meia nervosa", ou "que seje" - e mais algumas que desfrutam de um alto grau de rejeição, tanto por parte de quem tem elevado grau de instrução, quanto por parte de quem não o tem.

Por que alguém diz "par mim ler"? Porque não sabe que, em situações formais, um pronome como o "mim" não faz papel de sujeito em orações na nossa língua. O que leva alguém a dizer "menas páginas"? Justamente o fato de não saber que a palavra "menos" é invariável em gênero e número. E o que faz uma pessoa afirmar que outra "ficou meia nervosa"? Isso se deve ao desconhecimento da palavra "meio" como adverbio que, nesse caso, assim como a palavra "menos", é invariável em gênero e número. E, por fim, o que faz alguém considerar certa uma construção como "que seje"? O não domínio da formação do verbo irregular no subjuntivo.

Essas são construções que acabam sendo ridicularizadas quando vêm à superfície da linguagem. Se vierem da boca de uma pessoa pública, fica mais grave. Se for pronunciada por uma pessoa em situação na qual se espera grande formalidade, aí a coisa fica muito pior. É assim, quanto maior o grau de formalidade, menos aceita a inadequação, ou menos aceitável o erro. De qualquer forma, é bom estar atento, mas sem perder de vista que cometer uma falha dessas não é motivo para alarde nem de ridicularização. Não é uma questão de internet ou de qualquer modernidade. Em geral, é a irregularidade da própria língua que, uma vez não dominada pelo falante, propicia isso.

Na semana que vem eu volto para falar do "a gente vamos" e do "houveram".

domingo, 9 de março de 2014

Umbiguidade: a barriga dói de tanto rir



Pode estar certo de que a multiplicidade de contextos em que as pessoas se encontram, somados ao contexto que as trouxe até ali, misturados com suas intenções, emoções, estados físicos, psicológicos etc., tudo isso pode, por um lado, ajudar a deixar mais claro o sentido de uma frase, de qualquer enunciado. Por outro lado, pode gerar ambiguidades interessantes. Em princípio, não acho ruim haver ambiguidade; só o acho quando ela é produzida intencionalmente e de má fé, para prejudicar alguém.

Lembro-me sempre daquela cena do "Auto da Compadecida" (Ariano Suassuna), na qual João Grilo e Chicó estão conversando com o padre. Desesperados por terem matado uma cachorrinha como consequência de terem dado uma comida estranha a ela, foram procurar o padre para ajudá-los com a "cachorra da patroa". Escandalizado, o padre pedia que não falassem daquele jeito da patroa, que até poderia ter suas falhas, mas que não merecia ser chamada de cachorra.

Certa vez, um colega me disse que estava com vontade de ter uma BMW de novo. Naturalmente ele conseguiu o que queria: me deixou impressionado e aguçou minha curiosidade. Como conheço seu histórico de vida e seu poder aquisitivo, perguntei de volta: "Mas você já teve uma BMW antes?". Gargalhou e disse que não. Dando uma de inocente, quis saber por que eu havia perguntado. Depois que expliquei, ele completou, sarcástico: não; eu nunca tive uma BMW antes; eu já tive esta VONTADE antes.

Uma vez uma professora confundiu seus alunos todos, de uma vez só. Numa atividade de interpretação de texto, em Ciências para a Educação Infantil, os alunos estudavam aves. Naquela atividade, ficaram sabendo, por exemplo, que nem todas as aves voam. Para verificar aprendizagem, ela escreveu um comando mais ou menos assim: "Escreva  o nome das aves que voam em ordem alfabética". Imensa foi a sua surpresa quando um aluno veio lhe perguntar como é que as aves sabiam a ordem alfabética para voar.

Na escola, pelo fato de haver intensa atividade comunicativa, as ambiguidades tendem a aparecer mais. Poderia comentar aqui da professora que ensinava aos alunos o quanto um canguru consegue saltar. Depois de fazer cálculos, ela quis perguntar para os alunos quantas vezes o canguru conseguiria saltar a própria altura. Não hesitou e mandou uma pergunta para os alunos treinarem cálculo: "Quantas vezes o canguru consegue saltar a sua altura?". Não demorou para ela ser surpreendida pelo comentário: "Mas, professora, eu não sei a minha altura. Como eu faço?". Bom, eu disse que não ia contar, e não vou mesmo.

Esta semana, quando fui comer umas esfihas aqui perto de casa, me deparei com uma grande placa de alumínio, na qual se podia ler: "Não atendemos pessoas sem camisa ou acompanhadas de animais". Fiquei logo pensando se haveria algum lugar em que garçonetes atendessem sem camisa e acompanhadas de animais. Naturalmente, só uma mente poluída para querer entender aquilo... 

Se o sentido absurdo é um dos sentidos possíveis, quem escreve deve estar muito atento para evitá-lo. A ambiguidade é bem-vinda em textos literários, nos quais os usos de linguagem são mais desprendidos de seu sentido literal. O mesmo não pode acontecer com textos jurídicos, textos médicos (como receita), textos científicos e outros nos quais se busca tender para um sentido único - a monossemia (que se opõe à polissemia). Um cuidado que todos devem tomar é com a seleção das palavras, com o uso de pronomes e com a localização de advérbios. Outra dica é divertir-se com a ambiguidade, porque, em geral, ela produz muitas risadas. 

terça-feira, 4 de março de 2014

Fé no plural



"Andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar" é um conhecido verso de Gilberto Gil, que acabou servido de base para o samba de enredo da Escola de Samba campeã do Carnaval de São Paulo em 2014. Eu, que não sou de ficar vendo desfile pela TV (prefiro ver ao vivo), parei hoje para ver o final da apuração dos votos. Fiquei muito contente porque o Mestre-Sala (Emerson Ramirez) é um conhecido da gente e já é o terceiro ano seguido que a Mocidade vence o Carnaval por aqui, de modo que ele e Karina, a Porta-bandeira, merecem todo o reconhecimento que pudermos dar.

O enredo abordava prioritariamente a fé. E foi interessante como o famoso Carlos Tramontina, experiente jornalista da Globo, com quem já tive o prazer de estar, empolgado com o resultado apertado que só se desenrolou no final, disse que a vitória da Escola teria sido resultado de muita fé. Mais que isso, disse que a Escola teria feito um desfile que colocou "muitas fé" na avenida. Logo percebeu e tentou corrigir. Escapou por pouco do "muitas fezes" e, depois de um rápido silêncio, mandou o "muitas fés".

Há quem diga que a palavra fé faz um plural simples, como qualquer outra palavra terminada em vogal. Tomemos uma palavra semelhante por ser monossílaba e por terminar em E: pé. Plural = pés. Logo, nenhum problema ao pluralizar fé em "fés". Outros há que não partilham desse raciocínio simples e preferem dizer que a palavra fé diz respeito sempre a apenas uma fé. Esses mesmos senhores dizem que fé também não deve ir ao plural por designar uma realidade incontável. Eu gostaria de conversar com um desses senhores lhes perguntar se a palavra crença (sinônimo para fé) também designa realidade incontável, porque não temos a menor dúvida ao pluralizar "crenças".

Polêmicas à parte, o plural pode ser mesmo uma coisa complicada em qualquer língua. Na nossa, por exemplo, palavras que já são escritas como se estivessem no plural: pires, ônibus. Há até nomes próprios que já são pluralizados: Minas Gerais, Andes, Os Lusíadas, Estados Unidos. Aliás, é interessante esperar o que uma República como Estados Unidos vai fazer em relação à crise na Ucrânia. Ou, ainda, ver o que os Estados Unidos vão fazer em relação à crise na Ucrânia.

Os aumentativos também oferecem dúvida. Entre as palavras mais utilizadas, nem tanto, como pão, mão e leão. Dificilmente alguém erra: diz facilmente pães, mãos, leões. Mas as pessoas enfrentam alguma dificuldade quando vão colocar no plural uma frase como: "Precisamos limpar o corrimão hoje". A mesma dificuldade, as pessoas têm quando vão pluralizar nomes compostos. Muitos professores ainda titubeiam quando vão colocar no plural expressões como "palavra-chave", "situação-problema"... realmente, um problema.

Diferente do uso de palavras como "costas" - sempre no plural para se referir à parte posterior do nosso corpo, outros plurais enfrentam uma resistência enorme por parte das pessoas. Quem de nós aceita, assim, de bom grado, que, embora, digamos "calça", o esperado é "calças"? Quem de nós admite com tranquilidade utilizar uma frase com a palavra "óculos" pluralizada com adjetivo. Assim: "Mãe, por favor, pegue meus óculos escuros". Vamos lá: é preciso ter fé no plural.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

A força da figura e do furacão



Por sorte, sempre temos a possibilidade de criar novas formas de dizer as coisas, de modo que elas nem sempre são ditas em seu sentido literal, ao pé da letra, seu sentido denotativo. A riqueza da linguagem (principalmente, mas não só) poética é que traz a possibilidade da linguagem figurada. Entre muitas, a metáfora é a figura-mãe. É ela que me propicia dizer coisas como "os olhos são o espelho da alma". Ou, para quem quiser mais e mais metáforas, dizer coisas como diz o Chico Buarque na música "Pedaço de mim". Só para exemplificar: "saudade é o revés de um parto; é arrumar o quarto do filho que já morreu". Dificilmente alguém definirá melhor esse sentimento de perda, de ausência, isto é, a incômoda presença da ausência. (Opa! Fiz um paradoxo)

Da metáfora decorrem muitas outras figuras. E há figuras de todo tipo, tantas, que no século XIX, havia centenas de figuras - excesso que quase levou a Retórica ao limite mínimo e estilístico pela exagerada importância dadas às figuras. Bom orador era o que esbanjava das figuras. Felizmente, no início do século XX, filósofos, como Chaim Perelman, repuseram a Retórica em seu lugar de honra, sem deixar, no entanto, de observar as figuras, mas vendo nelas poderosos recursos argumentativos. E é isto que elas são: recursos de linguagem capazes de levar o ouvinte/leitor ao convencimento, à persuasão, à inevitável adesão à ideia que lhe é proposta. Uma figura bem colocada arrebata o pensamento. (Opa! A repetição é figura)

Note-se a figura: "o universo engolido por um furacão". A ideia é tão forte, que parece uma grande catástrofe que nos faz imaginar todo o mundo sendo arrastado para o interior de um furacão. Uma poderosa figura, sem a menor sombra de dúvida. No entanto, se tirarmos um pouco o pé do freio e olharmos melhor para a paisagem da linguagem que passa por nós, veremos que um furacão é algo infinitamente minúsculo perto da imensidão do universo. Nesse sentido, o que essa figura expressa é impraticável, inexequível. Do ponto de vista denotativo é uma bobagem. Mas conotativamente é uma figura que arrasta o pensamento e o convence com uma força maior que um furacão, maior que o universo. (Opa! Construí uma: hipérbole).

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O imperfeito participa do passado?



Quando Renato Russo canta "Acho que o imperfeito não participa do passado", evidentemente ele está fazendo um jogo de palavras, típico daqueles que ele sempre fez muito bem. Está claro que o (pretérito) imperfeito participa do passado. Ocorre que a ação expressa pelo pretérito imperfeito expressa uma ação habitual no passado, que pode ou não ter deixado de acontecer no presente. Em nossa língua, especialmente a conjugação de verbos na terceira pessoa terá terminações bem marcadas, a saber: -ava (para verbos de primeira conjugação, como "cantava") e -ia (para verbos de segunda e terceira conjugações, como "escrevia", "ouvia").

Embora saibamos muito bem distinguir os dois pretéritos nas falas cotidianas, quando temos de refletir sobre eles, deparamo-nos com alguma dificuldade. Os alunos, em geral, não caminham bem pelas estradas que distinguem esses dois aspectos verbais. De fato, é tudo passado, mas há uma sutileza que os diferencia. Quando alguém diz que cantava bem, quer significar que, em algum tempo passado, ele executava bem e com frequência a ação de cantar. Já quando colocada no pretérito perfeito, a ação de cantar será dada como encerrada, uma ação completamente realizada. Assim, se diz que alguém cantou. Ponto.

Mais sutil ainda é a diferença entre o pretérito perfeito e o mais-que-perfeito. Primeiro porque é muito estranho ouvir a expressão "mais-que-perfeito"; parece um paradoxo, pois se existe algo mais que perfeito, o perfeito não era completamente perfeito. Vamos devagar. A expressão "mais-que-perfeito" sempre vai remeter a uma ação completamente acabada anteriormente a outra que também está completamente acabada. Era comum a conjugação "cantara, cantaras, cantara, cantáramos, cantáreis, cantaram". Note-se a falta de acento (cantara X cantará), que torna a palavra em paroxítona. Atualmente, em vez de dizer "cantara", os falantes de Português no Brasil têm optado pela forma composta: "tinha cantado".

Em "eu tinha cantado antes de você chegar" expressam-se duas ações totalmente acabadas, de modo que, por ser anterior à ação de "você chegar", a ação "tinha chegado" está no pretérito mais-que-perfeito. Por fim, vale chamar a atenção aqui para o fato de muita gente não sabe o significado de pretérito. Associa-se, muito corretamente, seu sentido ao de passado. E é bem isto: pretérito é aquilo que não foi preferido. Quando se prefere algo, esse algo é trazido para frente. Por consequência, o que ficou para trás, foi preterido. Assumiu a condição de pretérito (passado).

Bom: é isso. 
Ao menos tinha sido isso.
Ou era isso. 
Foi isso.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A sintaxe da vida



Um dos itens da gramática de que mais gosto é o da sintaxe, justamente porque para mim sempre lembra uma metáfora de como funciona a vida: em relações. Tudo neste mundo está relacionado. Quem conhece o chamado "efeito borboleta" sabe bem.

Desde que se conhece a magia do verbo em uma língua, seja ela qual for, abre-se o portal para que se tome conhecimento de um imenso emaranhado de relações, uma série de feixes conectados ora pelo cordão da lógica ora pelo frágil barbante da convenção, criada e mantida em razão das mais diversas justificativas - muitas vezes injustificáveis.

É pelo verbo que se escuta o pulsar da língua, como se ele fosse o coração, de onde é bombeado todo o sangue responsável pela vida da língua. O verbo pode remeter o ouvinte ou leitor a ações ou a estados. Mais: pode fazer ambos ao mesmo tempo. Muita gente não considera isso fácil (olha aí: considerar é ação; fácil é estado). O mesmo verbo pode dar coloridos diferentes ao sentido, dependendo de sua natureza. Veja-se, por exemplo, o verbo achar em: "eu acho bom achar o caminho de volta". Para captar seu sentido, é preciso ver a relação que este verbo tem com os termos que o rodeiam.

Do verbo se chega ao seu sujeito (ainda que indeterminado ou oculto), aos seus complementos (objetos) e às suas circunstâncias (os adjuntos). Para quem faz análise sintática, começá-la pela análise do verbo e de sua natureza pode ser a grande saída, não só para a predicação verbal mas também para a predicação nominal ou ambas.

Ele é tão poderoso, que pode até bancar uma oração inteira sem sujeito (que é erroneamente considerado termo essencial). Ele é tão capaz, que pode prescindir de seus objetos e de suas circunstâncias. Ele é tão arraigado ao seu contexto, que se pode constituir um texto inteiro só com verbo, tal como fez Julio Cesar no senado romano, ao dizer "Vim, Vi,Venci" (vini, vidi, vici).

O verbo é como se fosse o grande elo, o grande pacificador, o grande catalisador dos termos de uma oração. Como se, por ele, quase todas as demais relações se estabelecessem. Ele é assim como a gente na vida cotidiana: pode facilitar ou complicar as relações. A sintaxe da nossa vida passa necessariamente pelas relações que estabelecemos e mantemos com outras pessoas, fatos e pensamentos.


domingo, 2 de fevereiro de 2014

Parece, mas não é - falso cognato



No mês passado, tive a feliz oportunidade de conhecer um dos locais que eu mais almejava desde minha infância, desde que passei a ter alguma noção de geografia internacional: o Chile. Embora eu lesse em espanhol - dificuldade que tive de superar na época do doutorado -, sabia que alguma dificuldade me apanharia de surpresa. A língua, seja ela qual for, sempre nos apronta situações que nos deixam, no mínimo, confusos (e muitas vezes isso se dá na própria língua materna). Isso fica mais intenso quando se trata de falsos cognatos.

Nas quatro horas de voo, enquanto minhas filhas dormiam, me dediquei a ler um livro desses de autoajuda linguística - uma lição a cada 15 minutos. Li atentamente os dez capítulos do livro, que eram rápidos, práticos e divididos por situações cotidianas. Fiquei preocupado com os escorregões que sempre levamos com os falsos cognatos, aquelas palavras que parecem uma coisa, mas são outra. Não conhecia falsos cognatos da língua espanhola em relação à nossa.

Me cerquei de um cuidado: lembrar dos "false friends" que havia aprendido no inglês dos tempos de faculdade (meu Deus!!! lá se vão 20 anos...). Será que os falsos cognatos são universais? Se fossem, me salvariam a pátria no Chile, porque sei alguns da língua de Shakespeare: Actually, College, Diversion (esse é pura maldade), Exquisit... e outros tantos que tentei lembrar agora por ordem alfabética. Mas, sabe como é: 20 anos se passaram desde que sistematizei este conhecimento.

Bom: Exquisit era um ponto em comum. Um falso cognato também no espanhol. Eu estranhei quando minha filha me mostrou um rótulo de suco que dizia que aquele era um dos mais "exquisitos". Lógico que não estariam fazendo propaganda contrária ao próprio produto. Logo pensei: falso cognato. Peguei meu dicionário e procurei. Em espanhol, a palavra "exquisito" significa "requintado, refinado, agradável, de boa qualidade...".

Do "exquisito", passei a outros. Custei acreditar, mas: aceitar = passar azeite; borracha = bêbada, cueca = principal dança no Chile!!!, Diseño = projeto, embarazada = grávida, frente = testa, gracioso = engraçado,
latir = bater do coração, pelo = cabelo, rico = encantador, tapa = aperitivo (quieres un tapa, señor?), zurdo = canhoto - pô... /z/ soa como /s/. Então Zurdo e embaraZada, se leem Surdo e embaraçada.

Pois eu me vi embaraçado muitas vezes no Chile e devo ter falado muita bobagem nas minhas tentativas de dominar a língua castelhana. Hoje, lembro dos acontecimentos e dou muita risada. Opa! Rizada é um falso cognato, que significa "enrolada". Pera, pera: se eu disser que estou enrolado, em espanhol, sabe o que significa?

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Falar bem



Falar em público é um verdadeiro monstro para muita gente. E esse monstro assusta as pessoas desde as primeiras séries escolares, quando os professores pedem que os alunos façam recitais, seminários, debates e outros gêneros orais que são obrigados a fazer, muitas vezes sem o devido preparo para enfrentar situações formais de linguagem. Daí decorrem vários problemas de linguagem oral que muitas vezes persistem até a vida adulta.

Hoje quero tratar de um problema mais simples e deixarei mais para frente os mais complexos, de natureza mais emocional e psicológica. Há muitas pessoas que não se preocupam em se fazer entendidas quando falam. Assim, contam sempre com a boa vontade do ouvinte para compreender o que foi dito, independentemente da qualidade da dicção, da pronúncia de quem fala.

Assim como nos preocupamos em ter uma letra minimamente legível, é importante que nos ocupemos de ter pronúncia igualmente inteligível. Falar rápido demais é um problema tão grande quanto falar muito devagar. Tive uma aluno que falava tão rápido que dava a impressão de ser mais acelerada do que um locutor de futebol no rádio. Tive um arguidor na qualificação do meu doutorado que falava muuuuuuuuuiiiiiiiiiiitttttttttttttoooooooo devagar. Não participou da Defesa Pública. Dava angústia esperar a escolha das palavras e a lentidão com que eram pronunciadas.

É claro que a situação pode pedir que falemos com maior ou menor velocidade. Mas em todas as situações é preciso que se controle a pronúncia de cada palavra, respeitando, é claro, a variedade regional. Um bom exercício de pronúncia é observar como executamos cada som, especialmente em finais de palavra, quando unimos uma a outra. Reparar os pontos articulatórios, o modo como usamos todo o aparelho fonador, incluindo aí principalmente glote, língua, palato, dentes, lábios... tudo interfere na qualidade da emissão sonora.

Se quiser observar como articulamos os sons ao falar, uma boa prática é colocar um obstáculo na boca, um lápis ou uma caneta (na posição horizontal, é claro), empurrando o canto dos lábio para trás, e tentar ler um pequeno texto. Isso evidenciará os pontos articulatórios e toda a musculatura envolvida na emissão sonora. A consciência desses movimentos pode nos fazer controlar melhor a função de cada parte do nosso aparelho fonador. Ouvir-se também é uma excelente estratégia. Por isso, gravar-se falando pode ajudar a perceber o volume, a velocidade, a respiração, o encavalamento de palavras, as pausas, os sons omitidos...

É uma questão de bom senso, de respeito ao outro, de deferência à pessoa que nos ouve. Se já é assim quando falamos para uma pessoa apenas, mais ainda será quando falarmos com um grupo grande em uma situação formal de comunicação que exige um uso não apenas correto de linguagem, mas, sobretudo, um uso claro, bem pronunciado, bem articulado, em velocidade adequada... uma característica de quem fala bem.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Sons para consoantes



Muito comum pensarmos que a variação dos sons que pronunciamos está relacionada apenas às vogais, como escrevi  aqui há alguns dias. No entanto, é preciso considerar que a sonoridade que expressamos por meio dos fonemas consonantais é algo interessante. Não fosse tudo tão rápido nessa nossa vida agitada, teríamos o gosto de perceber a língua que as pessoas realmente pronunciam.

Quem nunca percebeu um mineiro que não pronuncia o diminutivo até o fim. Aliás, para um "mineiro da gema", qualquer diminutivo pode rimar com "fim", porque fica "bonitim". Já os mineiros mais tradicionais não pronunciam o /le/ na palavra "eles", por exemplo. Isso porque "es" não acham importante. E o carioca? Além do /s/ que na maioria das vezes soa como /ch/, tem o /z/ que some ("Rapá, tu por aqui?") e um /u/ que insiste em marcar as "pessouas" mais de "douze" vezes.

Essa é a língua que se ouve, com uma sonoridade diferente do que seria uma norma reguladora da relação fonema/letra. Em muitos lugares ainda se trocam o /b/ e o /v/ em palavras como travesseiro/trabesseiro, vassoura/bassoura, assovio/assobio. Trocam-se também o /l/ e o /r/ em palavras como planta/pranta, claro/craro, flauta/frauta. No Nordeste se ouve com frequência o /r/ no lugar do /g/, quando se diz "a rente" em vez de "a gente"; ou ainda o /v/ por /r/ em construções como "ramo embora".

Mas e o /l/? Ah, o /l/ é mesmo traiçoeiro mesmo. Já está a anos-luz na frente das outras variações de sons consonantais. Em muitas regiões do Brasil, na verdade em quase todas, quando ocupa posição final de sílaba o /l/ já soa /u/. Em palavras como "mil", "alcance" ou "portal" é nítido o som vocálico. Soa /u/ em vez de /l/, em situação de travamento silábico, tanto em sílabas iniciais e mediais, quanto em finais. Daí, dificuldades antigas da língua se fortalecem (como a do binômio mal/mau).  

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Novas velhas





O Acordo Ortográfico, que no em 2009 assustou muita gente, hoje é assunto "deitado eternamente em berço esplêndido". Se, por um lado, as pessoas foram se habituando a alguns acentos a menos ou a hifens a mais, por outro, o adiamento da validação oficial do Acordo para 2016 sossegou de vez as pessoas. Um dos temas pouco discutidos foi justamente a oficialização das consoantes K, Y e W no nosso alfabeto. Um bom assunto para este Blog, que ontem abordou as vogais vagais.

Apesar de ter facilitado a escrita de muitas palavras e de ter regularizado o que já se fazia há muito tempo (como o não uso do trema por vários periódicos) alguns pontos do Acordo podem trazer dificuldades para quem vai escrever. Isso se pode dizer do hífen. Entretanto, qualquer problema a esse respeito pode ser resolvido facilmente com o recurso ao Vocabulário Ortográfico (versão impressa ou, melhor, a versão eletrônica no site da Academia Brasileira de Letras). De mais a mais, pode-se tranquilizar porque o número de palavras com hífen é mínimo. Veja uma página de jornal, de livro, ou mesmo deste blog: pouquíssimas serão as palavras em que o hífen se faz presente.

Mas em relação ao uso das letras W, Y e K, não se pode dizer que serão um problema para quem vai escrever. Primeiro, porque elas já vagavam com regularidade por várias palavras de nossa escrita cotidiana. Segundo, que seu uso não mudou: embora oficializadas, elas continuarão utilizadas apenas em nomes próprios (Kátia), em palavras estrangeiras (office-boy)  ou em símbolos (W).

Vale registrar aqui o uso de algumas dessas letras na comunicação via internet. Para agilizar a escrita, as pessoas, muito criativamente, incorporam sinais em geral e letras em particular para atingir seus objetivos com mais precisão e menos tempo. Bom, em relação às consoantes W, Y e K - por enquanto - é isso. Vlw.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Ó o auê da vogal



Falei ontem aqui sobre as vogais e tentei mostrar que elas não se limitam a AEIOU. Mais: também falei que há outras representações para sons vocálicos, tais como Y e W. Pode ser uma atividade, no mínimo, curiosa, observar a função das vogais tanto na pronúncia, quanto formação das palavras e na classificação delas.

Se, por um lado, como representação de fonemas, as vogais tônicas têm uma pronúncia quase sempre garantida, por outro, as vogais átonas são normalmente pouco destacadas. Em muitos casos, aliás, são quase completamente ignoradas. Compare-se, por exemplo, a pronúncia de /o/ na palavra "pouco". Enquanto o primeiro é firme e forte, o segundo quase inexiste, como se parássemos a pronúncia no /c/.

Também é interessante perceber o quanto as vogais são importantes na formação de palavras. Elas podem atuar como como vogais de ligação entre duas palavras compostas, como "gás" e "metro", na formação de "gasômetro" (nome de uma importante rua em SP). Elas podem ser vogais temáticas de substantivos, como o /o/ de "carro" ou o último /e/ de parede. E podem ser vogais temáticas de verbos para lhes determinar a conjugação, como em "cantAr", "vendEr", "sorrIr", "compOr".

Mais curioso ainda é que as vogais podem ter uma função poucas vezes destacada na flexão de número e de gênero. Por exemplo, para se formar o feminino da palavra "avô", não é preciso trocar o /o/ pelo /a/. Antes, basta pronunciar o /o/ diferentemente: em vez de fechado, aberto: /ó/ - avô = avó. Fenômeno parecido acontece na formação dos plurais: pense no plural da expressão "porto torto".