domingo, 16 de março de 2014

Erros menos aceitáveis



Tudo bem que o advento colossal e irrefreável da internet e dos inumeráveis recursos que ela nos proporciona deu uma boa flexibilizada na escrita, de modo que a própria noção de erro ficou menos árida. Graças ao avanço das teoria linguístico-discursivas, já nem se fala mais em erro, mas em inadequações. Algo passa a estar errado em relação a um contexto, e não mais por estar em desacordo com o discurso gramatical.

Mas, pera lá. Lembro bem do meu amigo Evanildo Bechara, nosso maior gramático vivo, dizer que errado é aquilo que não faz sentido em contexto algum. Convenhamos que há "inadequações" (vou ficar com a palavra "erro" mesmo) bem menos aceitas do que outras. Por exemplo, pouquíssimos veem problema quando alguém utiliza o verbo "ter" em vez de "haver". Raros são os que se incomodam com o uso de "a gente" em vez de "nós". E por quê? Porque já são de uso generalizado e frequentam até apresentações formais orais, como palestras, discursos, debates etc.

Outros usos de linguagem não recebem o mesmo tratamento. As pessoas são menos complacentes com construções frasais do tipo "pra mim ler", ou "menas páginas", ou "ela fica meia nervosa", ou "que seje" - e mais algumas que desfrutam de um alto grau de rejeição, tanto por parte de quem tem elevado grau de instrução, quanto por parte de quem não o tem.

Por que alguém diz "par mim ler"? Porque não sabe que, em situações formais, um pronome como o "mim" não faz papel de sujeito em orações na nossa língua. O que leva alguém a dizer "menas páginas"? Justamente o fato de não saber que a palavra "menos" é invariável em gênero e número. E o que faz uma pessoa afirmar que outra "ficou meia nervosa"? Isso se deve ao desconhecimento da palavra "meio" como adverbio que, nesse caso, assim como a palavra "menos", é invariável em gênero e número. E, por fim, o que faz alguém considerar certa uma construção como "que seje"? O não domínio da formação do verbo irregular no subjuntivo.

Essas são construções que acabam sendo ridicularizadas quando vêm à superfície da linguagem. Se vierem da boca de uma pessoa pública, fica mais grave. Se for pronunciada por uma pessoa em situação na qual se espera grande formalidade, aí a coisa fica muito pior. É assim, quanto maior o grau de formalidade, menos aceita a inadequação, ou menos aceitável o erro. De qualquer forma, é bom estar atento, mas sem perder de vista que cometer uma falha dessas não é motivo para alarde nem de ridicularização. Não é uma questão de internet ou de qualquer modernidade. Em geral, é a irregularidade da própria língua que, uma vez não dominada pelo falante, propicia isso.

Na semana que vem eu volto para falar do "a gente vamos" e do "houveram".

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