sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Falar bem



Falar em público é um verdadeiro monstro para muita gente. E esse monstro assusta as pessoas desde as primeiras séries escolares, quando os professores pedem que os alunos façam recitais, seminários, debates e outros gêneros orais que são obrigados a fazer, muitas vezes sem o devido preparo para enfrentar situações formais de linguagem. Daí decorrem vários problemas de linguagem oral que muitas vezes persistem até a vida adulta.

Hoje quero tratar de um problema mais simples e deixarei mais para frente os mais complexos, de natureza mais emocional e psicológica. Há muitas pessoas que não se preocupam em se fazer entendidas quando falam. Assim, contam sempre com a boa vontade do ouvinte para compreender o que foi dito, independentemente da qualidade da dicção, da pronúncia de quem fala.

Assim como nos preocupamos em ter uma letra minimamente legível, é importante que nos ocupemos de ter pronúncia igualmente inteligível. Falar rápido demais é um problema tão grande quanto falar muito devagar. Tive uma aluno que falava tão rápido que dava a impressão de ser mais acelerada do que um locutor de futebol no rádio. Tive um arguidor na qualificação do meu doutorado que falava muuuuuuuuuiiiiiiiiiiitttttttttttttoooooooo devagar. Não participou da Defesa Pública. Dava angústia esperar a escolha das palavras e a lentidão com que eram pronunciadas.

É claro que a situação pode pedir que falemos com maior ou menor velocidade. Mas em todas as situações é preciso que se controle a pronúncia de cada palavra, respeitando, é claro, a variedade regional. Um bom exercício de pronúncia é observar como executamos cada som, especialmente em finais de palavra, quando unimos uma a outra. Reparar os pontos articulatórios, o modo como usamos todo o aparelho fonador, incluindo aí principalmente glote, língua, palato, dentes, lábios... tudo interfere na qualidade da emissão sonora.

Se quiser observar como articulamos os sons ao falar, uma boa prática é colocar um obstáculo na boca, um lápis ou uma caneta (na posição horizontal, é claro), empurrando o canto dos lábio para trás, e tentar ler um pequeno texto. Isso evidenciará os pontos articulatórios e toda a musculatura envolvida na emissão sonora. A consciência desses movimentos pode nos fazer controlar melhor a função de cada parte do nosso aparelho fonador. Ouvir-se também é uma excelente estratégia. Por isso, gravar-se falando pode ajudar a perceber o volume, a velocidade, a respiração, o encavalamento de palavras, as pausas, os sons omitidos...

É uma questão de bom senso, de respeito ao outro, de deferência à pessoa que nos ouve. Se já é assim quando falamos para uma pessoa apenas, mais ainda será quando falarmos com um grupo grande em uma situação formal de comunicação que exige um uso não apenas correto de linguagem, mas, sobretudo, um uso claro, bem pronunciado, bem articulado, em velocidade adequada... uma característica de quem fala bem.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Sons para consoantes



Muito comum pensarmos que a variação dos sons que pronunciamos está relacionada apenas às vogais, como escrevi  aqui há alguns dias. No entanto, é preciso considerar que a sonoridade que expressamos por meio dos fonemas consonantais é algo interessante. Não fosse tudo tão rápido nessa nossa vida agitada, teríamos o gosto de perceber a língua que as pessoas realmente pronunciam.

Quem nunca percebeu um mineiro que não pronuncia o diminutivo até o fim. Aliás, para um "mineiro da gema", qualquer diminutivo pode rimar com "fim", porque fica "bonitim". Já os mineiros mais tradicionais não pronunciam o /le/ na palavra "eles", por exemplo. Isso porque "es" não acham importante. E o carioca? Além do /s/ que na maioria das vezes soa como /ch/, tem o /z/ que some ("Rapá, tu por aqui?") e um /u/ que insiste em marcar as "pessouas" mais de "douze" vezes.

Essa é a língua que se ouve, com uma sonoridade diferente do que seria uma norma reguladora da relação fonema/letra. Em muitos lugares ainda se trocam o /b/ e o /v/ em palavras como travesseiro/trabesseiro, vassoura/bassoura, assovio/assobio. Trocam-se também o /l/ e o /r/ em palavras como planta/pranta, claro/craro, flauta/frauta. No Nordeste se ouve com frequência o /r/ no lugar do /g/, quando se diz "a rente" em vez de "a gente"; ou ainda o /v/ por /r/ em construções como "ramo embora".

Mas e o /l/? Ah, o /l/ é mesmo traiçoeiro mesmo. Já está a anos-luz na frente das outras variações de sons consonantais. Em muitas regiões do Brasil, na verdade em quase todas, quando ocupa posição final de sílaba o /l/ já soa /u/. Em palavras como "mil", "alcance" ou "portal" é nítido o som vocálico. Soa /u/ em vez de /l/, em situação de travamento silábico, tanto em sílabas iniciais e mediais, quanto em finais. Daí, dificuldades antigas da língua se fortalecem (como a do binômio mal/mau).  

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Novas velhas





O Acordo Ortográfico, que no em 2009 assustou muita gente, hoje é assunto "deitado eternamente em berço esplêndido". Se, por um lado, as pessoas foram se habituando a alguns acentos a menos ou a hifens a mais, por outro, o adiamento da validação oficial do Acordo para 2016 sossegou de vez as pessoas. Um dos temas pouco discutidos foi justamente a oficialização das consoantes K, Y e W no nosso alfabeto. Um bom assunto para este Blog, que ontem abordou as vogais vagais.

Apesar de ter facilitado a escrita de muitas palavras e de ter regularizado o que já se fazia há muito tempo (como o não uso do trema por vários periódicos) alguns pontos do Acordo podem trazer dificuldades para quem vai escrever. Isso se pode dizer do hífen. Entretanto, qualquer problema a esse respeito pode ser resolvido facilmente com o recurso ao Vocabulário Ortográfico (versão impressa ou, melhor, a versão eletrônica no site da Academia Brasileira de Letras). De mais a mais, pode-se tranquilizar porque o número de palavras com hífen é mínimo. Veja uma página de jornal, de livro, ou mesmo deste blog: pouquíssimas serão as palavras em que o hífen se faz presente.

Mas em relação ao uso das letras W, Y e K, não se pode dizer que serão um problema para quem vai escrever. Primeiro, porque elas já vagavam com regularidade por várias palavras de nossa escrita cotidiana. Segundo, que seu uso não mudou: embora oficializadas, elas continuarão utilizadas apenas em nomes próprios (Kátia), em palavras estrangeiras (office-boy)  ou em símbolos (W).

Vale registrar aqui o uso de algumas dessas letras na comunicação via internet. Para agilizar a escrita, as pessoas, muito criativamente, incorporam sinais em geral e letras em particular para atingir seus objetivos com mais precisão e menos tempo. Bom, em relação às consoantes W, Y e K - por enquanto - é isso. Vlw.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Ó o auê da vogal



Falei ontem aqui sobre as vogais e tentei mostrar que elas não se limitam a AEIOU. Mais: também falei que há outras representações para sons vocálicos, tais como Y e W. Pode ser uma atividade, no mínimo, curiosa, observar a função das vogais tanto na pronúncia, quanto formação das palavras e na classificação delas.

Se, por um lado, como representação de fonemas, as vogais tônicas têm uma pronúncia quase sempre garantida, por outro, as vogais átonas são normalmente pouco destacadas. Em muitos casos, aliás, são quase completamente ignoradas. Compare-se, por exemplo, a pronúncia de /o/ na palavra "pouco". Enquanto o primeiro é firme e forte, o segundo quase inexiste, como se parássemos a pronúncia no /c/.

Também é interessante perceber o quanto as vogais são importantes na formação de palavras. Elas podem atuar como como vogais de ligação entre duas palavras compostas, como "gás" e "metro", na formação de "gasômetro" (nome de uma importante rua em SP). Elas podem ser vogais temáticas de substantivos, como o /o/ de "carro" ou o último /e/ de parede. E podem ser vogais temáticas de verbos para lhes determinar a conjugação, como em "cantAr", "vendEr", "sorrIr", "compOr".

Mais curioso ainda é que as vogais podem ter uma função poucas vezes destacada na flexão de número e de gênero. Por exemplo, para se formar o feminino da palavra "avô", não é preciso trocar o /o/ pelo /a/. Antes, basta pronunciar o /o/ diferentemente: em vez de fechado, aberto: /ó/ - avô = avó. Fenômeno parecido acontece na formação dos plurais: pense no plural da expressão "porto torto".

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Vogais vagais



Os sons da língua são muitos, muitos mesmo. Muitos que têm a capacidade de produzir sentido sozinhos, outros que precisam se apoiar para serem significativos. Uma pergunta aparentemente banal para qualquer pessoa com mínimo conhecimento de sua língua materna diz respeito à diferença entre vogais e consoantes. Um cidadão comum iria direto a uma resposta assim: vogal é AEIOU; o resto é consoante.

Claro que uma resposta como essa confunde definição com exemplificação. Típico em respostas não elaboradas com profundidade. Vogal é toda emissão sonora significativa na qual não se faz necessária a atuação de nenhuma forma de bloqueio à passagem de ar pelo aparelho fonador. Para pronunciar os famosos AEIOU, fazemos apenas movimento de maior ou menor abertura da boca. Mas não fazemos bloqueio algum. Para pronunciar AEIOU ninguém junta os lábios ou estes aos dentes, nem junta a língua ao palato... enfim, ninguém bloqueia a passagem de ar para pronunciar vogais.

Ocorre que os sons vocálicos não são apenas AEIOU. Isso é fácil perceber quando se compara um paulista e um baiano falando a palavra "acordar". Enquanto um paulista pronuncia o /o/ com a boca menos aberta, o baiano o faz com a boca bem aberta, de modo que o /o/ vira facilmente /ó/, como se falasse "acÓrdar". Disso se conclui que há pronúncia aberta e pronúncia fechada para as vogais.

Mais que isso: também existem para as vogais as pronúncias apoiadas em emissão de ar também pelo nariz. Por essa razão, são chamadas de vogais nasais (aquelas que não conseguimos pronunciar quando estamos gripados). Essas vogais são representadas ora por um til (~), ora pela sequência imediata de um /n/ ou /m/. Isso se vê facilmente, por exemplo, na pronúncia de "sã" e "santa", na qual "sã" e "san" representam exatamente a mesma sonoridade. Pois é: há vogais nasais e vogais nasais.

A discussão poderia se ampliar se pensássemos a respeito do Y e do W, em nomes como Yasmin e Welton. E aí: são vogais?

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Tudo parte



Pode ter certeza: nada neste mundo é inteiramente original. Quer dizer: nada é único. Qualquer que seja o ser, animado ou inanimado, é composto por partes. A mais ínfima coisa que se puder imaginar também será uma composição, o resultado de um processo, um conjunto de partes. Há mundos dentro de um mundo, qualquer que seja ele. Assim é também com a gramática.

Uma gramática, este conjunto de registros de uma forma de organização da língua, divide-se em partes. As gramáticas tradicionais (tradicional é a característica daquilo que é trazido por longo tempo), de natureza normativa normalmente têm quatro partes: uma destinada à fonética/fonologia; outra, destinada à morfologia; uma terceira parte, em que se estuda a sintaxe; e uma última, que se volta para a semântica.

Quando se trata de fonética e fonologia, pensa-se nos sons que produzimos ao falar - aqueles sons que constroem sentidos. Considerando que as letras representam sons, é fácil ver como os sentidos se alteram na seguinte sequência de palavras: ala, Bala, Cala, Fala, Mala, Sala, Tala, Rala, Vala. Por sua vez, a Morfologia, cuida dos processos de formação das palavras, bem como de sua classificação. Daí é que sabemos se uma palavra dá nome, qualifica, quantifica, substitui...

As outras duas partes são a sintaxe e a semântica. Enquanto a primeira produz reflexões acerca da relação que as palavras têm entre si (por exemplo, saber se uma palavra - ou termo - é o agente, é a ação, é o resultado da ação...), a segunda cuida das relações de sentido que as palavras assumem de acordo com os contextos em que são utilizadas. Nesse sentido, é legal observar, por exemplo, o jogo de palavras de Fernando Pessoa em "navegar é preciso; viver não é preciso".  Na verdade, as partes não são isoladas entre si; antes, são partes de um todo, de modo que uma questão fonética pode ser, ao mesmo tempo, morfológica, sintática e semântica.

Neste blog, coloco-em à disposição para dialogar com quem quer que seja acerca de questões de ordem gramatical. Faço isso com muito prazer. Embora com tempo bastante reduzido, procurarei responder às questões ou questionamentos formulados. Naturalmente, críticas e sugestões serão sempre bem recebidas. Muito bem, está lançada a semente. 

domingo, 5 de janeiro de 2014

Disciplina é liberdade



É bastante comum que as pessoas prefiram a falta de disciplina ao conhecimento de regras e, sobretudo, a obediência a elas. Claro que poder fazer qualquer coisa a qualquer hora é uma maravilha. É gostoso. É tudo de bom. Coisa de quem está em férias totais. Mas é bom até a página 2. É bom até quando se considera que o que se pretende fazer a qualquer hora, lugar e modo, choca-se contra o que outro quer.

É assim no reino da convivência social. É assim no reino das interações linguísticas. Sim: falar e escrever são comportamentos sociais como quaisquer outros. Cada situação em que nos encontramos requer de nós o conhecimento e a obediência a uma ou outra forma de falar/escrever. Dominar diversas formas é ser linguisticamente competente. É algo que vai nos dar condições de estar em qualquer situação: da mais formal à menos, da sublime à grotesca, da técnica à familiar...

Por essa razão, conhecer as normas gramaticais propicia a possibilidade enfrentar as situações menos comuns no nosso dia a dia - as situações formais em que somos avaliados inclusive linguisticamente. Usar o registro de linguagem errado pode ser fatal. Um palavrão durante um jogo de futebol é uma coisa; o mesmo palavrão na missa de domingo é outra. Ter liberdade de variar a linguagem conforme o contexto em que nos encontramos é um grande ganho. Ser disciplinado para reconhecer e obedecer às exigências do contexto é uma porta para liberdade.

sábado, 4 de janeiro de 2014

"Não sei Português"



Não, não. Não me conformo em ouvir adultos me dizerem que não sabem Português. Que Português é língua difícil. Que a gramática tem muitas regras. Que tem mais regras que exceções e bla bla bla. Já ouvi até de aluno meu (pasme-se: aluno de pós-graduação, quase um especialista em Língua Portuguesa). Há quem confunda a língua com sua gramática, e a gramática com seu ensino.

Não dá. Aqui me parece um erro tão comum quanto o de se confundir o personagem com o ator. Nesse caso as pessoas transferem para o profissional o sentimento (bom ou ruim) que tiveram na sua relação com o personagem no filme ou na novela. Tão comum quanto confundir o autor e o eu-lírico, e daí achar que o que está escrito, por exemplo, na poesia diz respeito mesmo ao autor (à pessoa que escreveu), e não ao eu-lírico (aquela voz que fala na poesia). Pois é. Tem gente que confunde o ensino de gramática com a gramática. 

Por essa razão, é natural que muitas pessoas não gostem do modo como a gramática é ensinada, firmada prioritariamente (se não exclusivamente) na memorização de nomes que quase nunca serão utilizados na vida prática. Não. O ensino da gramática não é a gramática. Ela é mais que isso. É uma das possibilidades de sistematização da língua e está a serviço do falante/escritor para promover uma compreensão específica do uso formal e uma compreensão aberta de outros tantos usos possíveis da língua, que muda tanto quanto as situações da vida. Conhecê-la está relacionado à melhoria da qualidade de vida.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Uma gramática, o que é?

Uma primeira reflexão importante a fazer aqui (sempre brevemente) é a respeito do que é e para que serve uma gramática. Vamos ficar com a primeira parte, por hoje, porque não tenho intenção nem condição intelectual de esgotar assunto algum. Meu intuito aqui é mesmo de re-fletir. Jogar ideias para que elas voltem modificadas, transformadas em coisa nova. E boa.

Uma gramática não é anterior a língua alguma. Para ficarmos no terreno da nossa língua, a primeira gramática que foi feita para línguas daqui foi escrita por um jesuíta: Anchieta. Sim, José de Anchieta, que transcreveu os fonemas, aproximou  as letras, pensou a morfologia, a sintaxe e a semântica, sempre por aproximação (é claro) com o que ele conhecia de língua. E, cá entre nós, não era pouco. Poliglota, o rapaz. Latim, espanhol, italiano, Português eram fluentes nas mãos desse hábil escritor.

Mas, para ficarmos apenas no exemplo do jesuíta das Ilhas Canárias, a sua Arte da Gramática da Língua Mais Falada na Costa do Brasil, é um documento importantíssimo, que só passou a existir como tal bem depois de já existir a língua Tupi. Ou melhor as línguas Tupi, porque se dividiam em muitas línguas. Quer dizer, uma gramática é a sistematização do funcionamento de uma língua. Ela não é mais importante do que e nem é anterior à língua. Não é a gramática que faz a língua. Ela é apenas um retrato de um momento da organização e do funcionamento da língua.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Apresentação



As aves voando em plena liberdade na imagem deste blog não estão ali aleatoriamente. Antes expressam o coração do Blogramática Ever. Representam uma crença que tenho na linguagem como algo que pré-existe às ideias e lhes dão uma forma e uma função; revestem-nas de cargas semânticas positivas ou negativas. A linguagem é, para mim, um elemento produtor de liberdade. Logo, também pode ser de aprisionamento. De engajamento ou de alienação.

Por meio da linguagem, podemos fazer soar um conjunto de coisas boas, tais como elogios, estímulos, considerações, apoios - entre outros. Do mesmo modo, podemos fazer soar coisas ruins, como demérito, difamação, ofensa, ódio. No primeiro caso, o que fazemos é abençoar - já que soamos o bem. No segundo, por expressarmos coisas ruins, o que fazemos é amaldiçoar.

Neste blog, as palavras serão sempre para promover o bem, sobretudo, por tentar trazer breves reflexões sobre nossa língua cotidiana. Será dessa forma porque, em nossa idade, todos já dominamos a língua. Agora, se somarmos este domínio a uma compreensão mais apurada da língua (funcional, descritiva, normativa, histórica), certamente seremos mais eficientes nas interações cotidianas mediadas pela linguagem.