domingo, 9 de março de 2014

Umbiguidade: a barriga dói de tanto rir



Pode estar certo de que a multiplicidade de contextos em que as pessoas se encontram, somados ao contexto que as trouxe até ali, misturados com suas intenções, emoções, estados físicos, psicológicos etc., tudo isso pode, por um lado, ajudar a deixar mais claro o sentido de uma frase, de qualquer enunciado. Por outro lado, pode gerar ambiguidades interessantes. Em princípio, não acho ruim haver ambiguidade; só o acho quando ela é produzida intencionalmente e de má fé, para prejudicar alguém.

Lembro-me sempre daquela cena do "Auto da Compadecida" (Ariano Suassuna), na qual João Grilo e Chicó estão conversando com o padre. Desesperados por terem matado uma cachorrinha como consequência de terem dado uma comida estranha a ela, foram procurar o padre para ajudá-los com a "cachorra da patroa". Escandalizado, o padre pedia que não falassem daquele jeito da patroa, que até poderia ter suas falhas, mas que não merecia ser chamada de cachorra.

Certa vez, um colega me disse que estava com vontade de ter uma BMW de novo. Naturalmente ele conseguiu o que queria: me deixou impressionado e aguçou minha curiosidade. Como conheço seu histórico de vida e seu poder aquisitivo, perguntei de volta: "Mas você já teve uma BMW antes?". Gargalhou e disse que não. Dando uma de inocente, quis saber por que eu havia perguntado. Depois que expliquei, ele completou, sarcástico: não; eu nunca tive uma BMW antes; eu já tive esta VONTADE antes.

Uma vez uma professora confundiu seus alunos todos, de uma vez só. Numa atividade de interpretação de texto, em Ciências para a Educação Infantil, os alunos estudavam aves. Naquela atividade, ficaram sabendo, por exemplo, que nem todas as aves voam. Para verificar aprendizagem, ela escreveu um comando mais ou menos assim: "Escreva  o nome das aves que voam em ordem alfabética". Imensa foi a sua surpresa quando um aluno veio lhe perguntar como é que as aves sabiam a ordem alfabética para voar.

Na escola, pelo fato de haver intensa atividade comunicativa, as ambiguidades tendem a aparecer mais. Poderia comentar aqui da professora que ensinava aos alunos o quanto um canguru consegue saltar. Depois de fazer cálculos, ela quis perguntar para os alunos quantas vezes o canguru conseguiria saltar a própria altura. Não hesitou e mandou uma pergunta para os alunos treinarem cálculo: "Quantas vezes o canguru consegue saltar a sua altura?". Não demorou para ela ser surpreendida pelo comentário: "Mas, professora, eu não sei a minha altura. Como eu faço?". Bom, eu disse que não ia contar, e não vou mesmo.

Esta semana, quando fui comer umas esfihas aqui perto de casa, me deparei com uma grande placa de alumínio, na qual se podia ler: "Não atendemos pessoas sem camisa ou acompanhadas de animais". Fiquei logo pensando se haveria algum lugar em que garçonetes atendessem sem camisa e acompanhadas de animais. Naturalmente, só uma mente poluída para querer entender aquilo... 

Se o sentido absurdo é um dos sentidos possíveis, quem escreve deve estar muito atento para evitá-lo. A ambiguidade é bem-vinda em textos literários, nos quais os usos de linguagem são mais desprendidos de seu sentido literal. O mesmo não pode acontecer com textos jurídicos, textos médicos (como receita), textos científicos e outros nos quais se busca tender para um sentido único - a monossemia (que se opõe à polissemia). Um cuidado que todos devem tomar é com a seleção das palavras, com o uso de pronomes e com a localização de advérbios. Outra dica é divertir-se com a ambiguidade, porque, em geral, ela produz muitas risadas. 

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