segunda-feira, 17 de março de 2014

O lugar do erro

Reprodução/Facebook

Logo no início desta semana fui surpreendido com uma notícia segundo a qual centenas de camisetas de uma escola haviam sido estampadas com um erro crasso de Português. E era voltado para Ensino Médio. Aliás, o erro estava justamente aí: em vez de "ensino", estava escrito "enCino". Isso mesmo, com C. Sim, neste caso, é mais do que uma inadequação; é um erro mesmo. Em muitos sentidos.

Não sou purista. Não ando por aí corrigindo placas, criticando cartazes ou faixas. Não me dou à prática de ficar analisando como as pessoas falam certo ou errado em termos gramaticais. Até porque há momentos em que a Norma Culta é exigida, é critério de eliminação e, portanto, estabelece o certo e o errado em relação à situação de linguagem. Fora isso, o uso da linguagem se dá ao sabor da situação. A criatividade, a força argumentativa caem melhor do que a correção gramatical.

Olho a linguagem com o mesmo prazer de quem degusta um bom vinho. Bom saber de onde veio, suas características, sua força, seu poder. Mais que ouvir, poder olhar a linguagem. Do mesmo modo que o vinho. Olhá-lo antes de tomar é tão prazeroso quanto apreciar uma construção de linguagem conscientemente arquitetada para um fim específico. A escolha das palavras, a maneira como são articuladas, as pausas, a entonação, o acompanhamento dos gestos, feições e tudo que acompanha a fala, tudo constitui a beleza da arte de falar.

Especialmente na escrita pública, que vai ser lida por muitos durante muito tempo, uma escrita que vai identificar algo ou alguém (uma escola, por exemplo) precisa, sem a menor sombra de dúvida, cuidar de todos os aspectos necessários ao sucesso da comunicação pretendida. Em caso contrário, o efeito pode ser devastador. Veja-se, como exemplo, um cartaz pendurado em um restaurante, que oferece suco de cocô, em vez de suco de coco. Lamentável: o restaurante vira motivo de piada.

E uma escola que oferece uma camiseta com a palavra "enCino"? O nível de credibilidade dela é assolado, devastado, lançado para baixo do chão. Dificilmente se lembrará desta escola sem associar o nome dela ao erro de Português. Trata-se apenas de um erro de ortografia, diriam alguns. Não. Trata-se de um erro de discurso. Um erro de desconsideração para com os que lerão os dizeres da camiseta (salvo se tivesse finalidade irônica). Trata-se de um erro de capacidade profissional de muitas pessoas: de quem encomendou, de quem elaborou, de quem executou, de quem revisou, de quem publicou.

É preciso ver que a linguagem é um comportamento social como outro qualquer. E que, nesse sentido, os erros são passíveis de correção, na medida em que (muitas vezes, como é o caso desta escola de Brazlândia) trazem consequências um tanto exageradas do ponto de vista social. Todos erramos, é bem verdade. E a ninguém cabe o papel de estandarte da correção. Mas há situações em que o erro tem de ser prevenido. Alguém tem de se antecipar a ele para evitá-lo ou, no mínimo, diminuir seus efeitos (erratas, explicações etc.). Pode até ser que a escola seja muito boa, mas a imagem que fica dela agora é de que não "enCina" bem aqueles que cuidam de seus objetos de publicidade, como camisetas.

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