domingo, 16 de fevereiro de 2014

O imperfeito participa do passado?



Quando Renato Russo canta "Acho que o imperfeito não participa do passado", evidentemente ele está fazendo um jogo de palavras, típico daqueles que ele sempre fez muito bem. Está claro que o (pretérito) imperfeito participa do passado. Ocorre que a ação expressa pelo pretérito imperfeito expressa uma ação habitual no passado, que pode ou não ter deixado de acontecer no presente. Em nossa língua, especialmente a conjugação de verbos na terceira pessoa terá terminações bem marcadas, a saber: -ava (para verbos de primeira conjugação, como "cantava") e -ia (para verbos de segunda e terceira conjugações, como "escrevia", "ouvia").

Embora saibamos muito bem distinguir os dois pretéritos nas falas cotidianas, quando temos de refletir sobre eles, deparamo-nos com alguma dificuldade. Os alunos, em geral, não caminham bem pelas estradas que distinguem esses dois aspectos verbais. De fato, é tudo passado, mas há uma sutileza que os diferencia. Quando alguém diz que cantava bem, quer significar que, em algum tempo passado, ele executava bem e com frequência a ação de cantar. Já quando colocada no pretérito perfeito, a ação de cantar será dada como encerrada, uma ação completamente realizada. Assim, se diz que alguém cantou. Ponto.

Mais sutil ainda é a diferença entre o pretérito perfeito e o mais-que-perfeito. Primeiro porque é muito estranho ouvir a expressão "mais-que-perfeito"; parece um paradoxo, pois se existe algo mais que perfeito, o perfeito não era completamente perfeito. Vamos devagar. A expressão "mais-que-perfeito" sempre vai remeter a uma ação completamente acabada anteriormente a outra que também está completamente acabada. Era comum a conjugação "cantara, cantaras, cantara, cantáramos, cantáreis, cantaram". Note-se a falta de acento (cantara X cantará), que torna a palavra em paroxítona. Atualmente, em vez de dizer "cantara", os falantes de Português no Brasil têm optado pela forma composta: "tinha cantado".

Em "eu tinha cantado antes de você chegar" expressam-se duas ações totalmente acabadas, de modo que, por ser anterior à ação de "você chegar", a ação "tinha chegado" está no pretérito mais-que-perfeito. Por fim, vale chamar a atenção aqui para o fato de muita gente não sabe o significado de pretérito. Associa-se, muito corretamente, seu sentido ao de passado. E é bem isto: pretérito é aquilo que não foi preferido. Quando se prefere algo, esse algo é trazido para frente. Por consequência, o que ficou para trás, foi preterido. Assumiu a condição de pretérito (passado).

Bom: é isso. 
Ao menos tinha sido isso.
Ou era isso. 
Foi isso.

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